Pelos, 2025. fotografia. 10X15cm.

o animal mítico era três vezes o tamanho de um elefante. desse tamanho todo eu nunca vi. era manso, carnívoro, de focinho alongado, pelos brancos. o único sobrevivente da sua espécie. nadava, mas era terrestre. só coube confortavelmente no mar azul que se misturava ao cinza do seu pó. 
o desenho do risco dos seus dentes escavados no chão de madeira e dois joelhos ralados. ferida com saliva, sara mais rápido se lamber. 
o desenho do risco escavado pelo pé da cadeira no chão de madeira me diz quantas vezes sentei e quantas vezes ajoelhei ao seu lado. 
o cheiro vivo desaparece aos poucos das narinas. fiquei com seu faro agudo e seu corpo-veste em dias frios. um pelo seu no bolso do casaco. o tremor do seu corpo fez tremer minha carne viva. 
seu enorme ventre branco luminoso pulverizado na garganta da Terra. nos esparramos no chão coreografando a sua cauda-antena. o Sol se manteve acordado, velando a luz do seu nascimento lunar. descolonizamos a linguagem, reanimamos a imaginação, transformamos as letras em árvores, pássaros, cores. os convidados do nosso casamento: avelãs, brotos, folhas de louro, somos nós mesmos todos eles. nos inspiramos até nos dias mais vazios de oxigênio. desconstruímos o alfabeto e falamos a língua dos galhos retorcidos e pegadas na areia. o vazio das palavras está tão cheio de amor quanto a sua forma. um pelo seu rasga o fundo da minha pele e se ramifica em minha memória celular. a mensagem arranhada coça e conta a história da minha morte.
nota celeste: lua nova em escorpião

Animal mítico, 2025. Cinzas e grafite s/papel pólen. 29X42cm